Voltar a me debruçar sobre os escritos de Chico e
mergulhar mais uma vez no universo de suas
histórias, cruzadas com a de tantas outras pessoas,
fez-me viajar no tempo e reviver momentos nossos,
a solidão de sua perda e o caminho até aqui.
Carreguei seus cadernos por vinte e cinco anos, por
todos os lugares por onde passei, até aportar nesse
site – lugar virtual que agora se enche da
concretude de suas palavras, da sua força e seus
afetos.
Chico tinha o hábito de acompanhar-se sempre de
um caderninho, caderneta, bloco de notas, onde
vida afora foi registrando suas ideias, escrevendo
cartas, compondo músicas, anotando os seus
pasmos com o belo e suas indignações com o mal. Juntei-os todos após sua morte e alimentei por anos
o desejo de entregar de alguma forma o seu
conteúdo ‘ao mundo’. Poderia ser livro, coletânea,
exposição…, mas deveria ser compartilhado por
quem interessar pudesse. Demorou o tempo
suficiente para acontecer. Dividi a ideia com gente
do bem, pensei, recuei, não sabia como fazer.
Agora, através de muitas mãos, essa iniciativa
começa a tornar possível o sonho, e mais, e melhor,
e demasiado importante: permitiu inventariar,
conservar, digitalizar tudo e acondicionar
adequadamente. Um presente para a cultura, um
afago para a minha alma!
Além das próprias ideias, os cadernos guardam o seu cotidiano, pequenos recados, lembretes, telefones, haicais e citações anotadas por ele,
revelando um pouco daquilo que também apreciava nos outros.
Foi assim que no meio de uma
caderneta caótica em que anotávamos recados de casa, entre frases e pensamentos soltos, encontrei uma frase atribuída a Proust que chamou minha atenção. “O passado é o jantar de ontem, passou”, estava escrito. Intrigou-me, afinal foi revirando o passado que a descobri. Em qual medida o que passou, passou?
Talvez, quase sempre devemos cuidar para deixar o passado no passado… Mas pensando melhor, outras vezes precisamos resgatá-
lo, garimpar suas pérolas e descobrir a receita do
jantar para refazê-lo com novos temperos e ingredientes, servi-lo em outras mesas, para novos
convidados. Alegra-me crer que isso é o que estamos fazendo agora ao restaurar o acervo escrito de Chico, preparando a releitura de um
clássico da “culinária musical”, para banquetear
quantos queiram degustar suas ideias. Diferente de Proust, Chico falou “modernizar o passado é uma evolução musical (…) Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.”
Assim organizamos os conteúdos deste site, trabalhamos para deixar tudo soando bem aos ouvidos e ao coração; apaziguado e inquieto na memória viva do artista em sua criação. E todas as vezes que ‘o jantar de ontem’ voltar à memória, celebre o que ele teve de melhor! Quanto ao acervo, aprecie sem moderação! Apetite-se!